sábado, 21 de junho de 2014

RESENHA: O code-switching: Fenômeno inerente ao falante bilíngue (Isabella Mozzillo)

MOZZILLO, Isabella. O code-switching: Fenômeno inerente ao falante bilíngue. In: PAPIA 19. p. 185-200, 2009.
Em O code-switching: Fenômeno inerente ao falante bilíngue, Mozzillo faz um panorama geral sobre o comportamento linguístico de falantes bilíngues, com o foco sobre uma estratégia comunicativa até pouco tempo incompreendida, que é o chamado code-switching (CS).
De acordo com a Mozzilla, apud Myers Scotton (1993), durante muito tempo, esse fenômeno não era considerado digno de estudos ou era matéria de análise científica. No entanto, a partir de 1972, por meio das publicações de Gumpez & Hymes, a temática atraiu mais atenção. O que chamamos de Code-switching, não se trata de outra coisa senão a alternância linguística, a troca de códigos. Antes dos anos 70, o CS era visto como um fenômeno de interferência; como parte do desempenho bilíngue imperfeito, por mais que fosse conhecida a fluência dos falantes em ambas as línguas.
A autora prossegue destacando alguns aspectos da conversação bilíngue, afirmando que em toda interação em que os falantes compartilham um mesmo par de línguas, os envolvidos desfrutam da habilidade de “escolher variantes linguísticas ou fazer opções estilísticas de acordo com a situação social, o interlocutor ou o meio oral ou escrito em um dos idiomas que domina.” (p. 186), e esse fenômeno vem sendo estudado e descrito pelos estudiosos do assunto como natural e inerente à condição de falante de uma (ou mais) língua estrangeira.  Então vemos o CS sendo visto como estratégia desejável e benéfica do ponto de vista pragmático, em conformidade com a situação social, o interlocutor e o meio.
Mozzilla nos apresenta a classificação desse recurso comunicativo feito por Auer (1999). De acordo com ele, o CS é visto como um ato que contrapõe-se ao code-mixing (CM), e a fusão de letos (FL). O segundo nada mais é que a mistura de códigos, ou línguas, enquanto o terceiro diz respeito a uma variedade mesclada estabilizada.  Assim, Auer propõe a seguinte proposição: Code-switching ® code-mixing ® fusão de letos. Compreendendo assim, o code-mixing, ou language mixing, como um fenômeno transitório e intermediário entre CS e FL, onde a justaposição se estabelece como padrão da interação. De acordo com Mozzilla, umas das diferenças do CS é que nele é possível identificar a língua de base, empregada na interação até o momento da ocorrência, então os falantes podem ser proficientes em ambas, ou, ter um conhecimento limitado de uma delas.  Assim, ao entendermos o CS como um dispositivo empregado de forma criativa a favor da liberdade, percebemos que ele está diretamente relacionado às preferências e/ou competências divergentes dos falantes.
Para Myers-Scotton (1993), a escolha sobre que língua falar, é, na maioria das vezes, inconsciente e o falante sabe que escolher um código implica negociar identidades na interação. Quanto ao CS, para Grosjean (1982), o indivíduo bilíngue decide em primeiro lugar qual língua será a base. E em segundo se utilizará o CS, pesando as vantagens e desvantagens de uma ou outra língua. Assim, compreendemos que os falantes bilíngues julgam as vantagens, calculam as consequências de suas opções linguísticas. Vemos então que a motivação para o CS relaciona-se diretamente com a possibilidade de maiores recompensas comunicativas.
Mozzilla prossegue o texto descrevendo as regras e restrições do CS, pautada nas teorias de Hamers & Blanc (1989) e Sankoff & Poplack (1981). Os primeiros afirmam que no CS, as regras gramaticais de nenhuma das línguas devem ser violadas. E os segundos, descrevem dois tipos de restrições atuantes no CS, a do “morfema livre” e a da “equivalência”.
A autora continua e apresenta-nos uma das classificações de CS, que para ela é uma das mais abrangentes. É a de Dabène & Moore (1995). Segundo essa classificação, o Code-switching pode ser: intra-sentencial, intersentencial e entre enunciados.
1.      O intra-sentencial pode ocorrer sob as formas: unitária (apenas um elemento da frase), ou segmental (segmentos de cada língua se alternam). Dentro dessa primeira classe há ocorrências COM adaptação ou SEM adaptação à língua de base.
2.      O intersentencial ocorre no momento em que as línguas se alternam de uma sentença a outra, ou seja, ocorre noutro turno da conversação.
3.      O entre enunciados implica em alternar depois de um longo período da conversação na outra língua, porém no mesmo diálogo.
Cada um desses tipos de CS carregam suas motivações, variando entre persuasão, provocar efeito cômico, mudança de assunto, marcar a identidade com o grupo, entre outros, pode ainda ser motivada pelo ambiente ou pela presença do “outro”, do “diferente”.

Enfim, nesse texto, a autora apresenta de forma didática essa temática tão rica e instigante que é as facetas das interações bilíngues. De acordo com ela, o Code-switching é fato corriqueiro nas relações cotidianas no mundo inteiro e merece uma atenção especial, já que mais da metade da população mundial vive, cada mais intensamente,  num ambiente de línguas em contato. 

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Considerações acerca da narrativa em “A Morte da Traça” de Virgínia Woolf (The Death of the Moth)


Wélica Cristina Duarte de Oliveira (UNEMAT)

Virgínia Woolf nasceu em Londres, no ano de 1882. Filha de um filósofo e crítico literário, cresceu com todo conforto advindo das vantagens financeiras e intelectuais de seu ambiente. Desde os 14 anos, Virgínia se habituava com o universo da literatura, mas foi aos trinta e três anos que publicou seu primeiro romance, tornando-se uma destacada escritora da literatura inglesa.
A autora participou ativamente do chamado Bloomsbury Group, que incluía escritores como E.M Forster, Roger Fry e outros artistas e intelectuais, dentre eles, seu futuro marido Leonard Woolf. Participar desse grupo proporcionou à escritora um ambiente muito propício ao desenvolvimento de técnicas, habilidades e sensibilidade que foram marcos em sua obra.
Woolf em vida, sofreu muito durante grande parte de sua vida, devido à problemas de saúde e depressão, e, em março de 1941, suicidou-se.
A obra “A morte da traça” é uma narrativa que tem como forte traço a descrição e enfatiza em grande escala, impressões do narrador, revelando uma sensibilidade afiadíssima da escritora.
O início da narrativa é marcado pela predominância da descrição. Descreve-se observações do cotidiano e as sensações causadas por cada experiência observada e narrada.  Trata-se da descrição a partir do olhar analítico sobre uma traça que voa durante o dia e a espécie é descrita como criaturas híbridas, nem tão alegres como as borboletas, mas nem sombrias como as que voam de noite. Sobre a traça que protagoniza a cena, em particular, o narrador afirma que lhe parece uma traça satisfeita com a vida. Desta maneira, creio que a descrição inicial prepara o leitor para a experiência a ser narrada a seguir, na medida em que anuncia o ambiente, o tempo, espaço, o clima e a atmosfera sentimental, reflexiva, que, perceptivelmente, trás consigo a impressão da autora de pensar e refletir as experiências e a vida como ela estava sendo levada, como era, como é, de acordo com seu curso natural. É descrita a emoção essencial, creio, o sentimento, a dinâmica da narrativa. Tanto que, é narrado o festim dos pássaros, enfatizando a energia da vida que os movia, fazendo daquela reunião uma “experiência tremendamente excitante”. E, para o narrador, essa mesma energia que inspirava os pássaros e outros seres da natureza, havia enviado a traça para aquele local, inspirando-lhe vida e mobilidade. E era impossível não querer observar a traça, seu entusiasmo, seu vigor em voar para um lado e inevitavelmente, voar para o outro, e para o outro.... porém, de forma plenamente satisfeita. Aquela era a realidade da traça. Sua vida. Fazia o que podia ser feito. Fica então claro que, como sugeria o comportamento da traça, era ela “pouco ou nada, mas a vida”, causando a já dita reflexão sobre ser ou não ser. Ser e existir. Conteúdo e forma.
Noutro momento, segundo o narrador, talvez cansada por toda a dança, a traça se aquietou no parapeito da janela. Ali, imóvel, caiu no esquecimento do seu observador. Que, casualmente, num momento volta se lembrar da protagonista e direciona-lhe o olhar. Agora a dança é diferente, estranha. Mas o momento da ascensão de seu belo voo é esperado por seu observador. Entretanto depois de repetidas tentativas, o narrador percebe que a traça não mais alçará voo sozinha, mesmo sem ter consciência do motivo do fracasso da mesma. Embora espere a recuperação, entende agora, que ela está em dificuldades talvez irreversíveis se sozinha tiver que lutar, ela agora parece desanimada, incapaz.
A mariposa agora, de pernas para o ar, causa compaixão no observador, e esse estende um lápis para ajuda-la, virando-a de volta à posição inicial, porém, no meio desse processo, é interrompido por um pensamento. Imagina que esse desânimo, essa incapacidade era a introdução ao fim. Era a aproximação da morte se revelando à protagonista. E assim desiste de virá-la. Isso seria ir contra a natureza, tão forte, poderosa e magistral, que sinalizava a morte.
Sozinha, em seu ambiente agora calmo e ignorado, a protagonista tenta mais uma vez fazer o que está ao seu alcance. Agora os pássaros foram se alimentar, ou seja, foram resolver suas próprias urgências, e mesmo sendo dia, tudo estava parado. Era meio-dia, o trabalho no campo havia cessado. Estava só. Ali, após um momento para retomar suas forças, tenta seu “último protesto”, e seu desespero era tão grande que ela conseguiu se endireitar. Foi essa uma atitude a ser invejada. Mas, como é narrado, não havia ninguém para se importar, ou para saber desse significante esforço e sucesso contra uma força tão magnífica quanto a morte!
O narrador declara que embora quisesse que ela vivesse, sabia dos sinais inconfundíveis da morte iminente. E assim, se assemelha e diferencia ao ambiente humano. Enquanto uns lutam à toda força, isso tudo passa indiferentemente em frente aos olhos inconscientes do outro. Ninguém vê realmente. Ninguém se importa realmente. Ninguém está lá realmente. Embora não seja a escuridão ambígua e assustadora da noite. Embora seja dia, há o momento da indiferença, o momento do “eu”.
Após compreender tudo isso, a serenidade prevalece. Remanesce a harmonia. Harmonia com a morte, com o eu, com o ambiente, com o outro, com a Natureza e seu curso. Conciliação.

2012.

O Realismo no conto “A Missa do Galo” de Machado de Assis


Wélica Cristina Duarte de Oliveira (UNEMAT)

Machado de Assis em seu conto A Missa do Galo publicado em 1899, dá visibilidade a um diálogo entre um jovem de dezessete anos e uma senhora de trinta. O conto vem de um contexto de efervescência de teorias científicas e filosóficas, em que Machado e os demais literatas procuram dar voz aos altos e baixos da vida cotidiana, bem como dos problemas sociais e individuais do homem. O Realismo vem caracterizar as obras desse período na medida em que se observam questões como adultério, egoísmo, vaidade e interesse, além da hipocrisia, o parasitismo social, a dissimulação e o poder de sedução da mulher nessas obras.
Como é de característica do movimento realista criticar a igreja e as instituições sociais, no conto em questão temos D. Conceição, uma senhora casada com o escrivão Meneses (Chiquinho), este que fora marido em “primeira núpcia” da prima do jovem Nogueira. Nogueira é o jovem que é recebido como hóspede na casa do casal por alguns dias, e tem seu encontro e tímido diálogo narrado no conto machadiano.
A narrativa trás em si fortes aspectos do Realismo, como já comentado. Atentemos, em especial, para a sua minusciosidade, a focalização de muitos detalhes tanto do ambiente como do comportamento dos personagens. Em sua temática, aborda pontos críticos da sociedade, agora não mais com o excessivo subjetivismo romântico que chega a uma emotividade e espontaneidade sentimental, no entanto, vem com uma descrição real das relações humanas, dos limites pré-concebidos e das insatisfações e angústias advindas de tais convenções.
O narrador realista joga com as relações de causa e efeito, e com o Determinismo, visto que Meneses tem sua porção de erros quanto à fidelidade no matrimônio. E o comportamento do casal protagonista determina-se pelo meio ambiente em que ocorre, somado aos fatores que justificam logicamente suas ações, a exemplo disso, D. Conceição, por ser uma “santa”, a boa esposa negligenciada pelo marido adúltero teria seu comportamento sedutor justificado.
Em “A Missa do Galo” embora o leitor perceba a teia do jogo de sedução e desejo entre os personagens, nada chega a acontecer de fato entre o casal. A senhora casada e o jovem, sozinhos na casa numa noite de natal, vivenciam um momento que segundo Nogueira, nunca poderá ser entendida, mesmo com o passar do anos. A mulher que não era bonita nem feia, era apenas “simpática”, chega a ser num momento da narrativa “linda, lindíssima”, porém tudo o que há é desejo, não há o romântico envolvimento dos sentimentos.
Machado de Assis, desta forma, demonstra certo desprendimento com os padrões literários da época, aprofundando sua narrativa na veracidade da complexidade do drama social e psicológico humano.

Agosto de 2012.

REFERÊNCIA:
Texto-fonte: Obra completa, de Machado de Assis, vol. II,
Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1994.
Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.

Resumo do conto: The Red Death (Edgar Allan Poe)


Kamila Araújo Silva
Wélica Cristina Duarte Oliveira

            The Red Death ou The Mask of the Red Death é um conto de Edgar Allan Poe, escrito em 1842. O conto narra a história de uma fatalidade acontecida no povoado do Príncipe Prospero.
A Morte Vermelha vinha assolando os moradores, a já havia matado milhares de pessoas. Elas morriam sofrendo desmaios súbitos e dores agonizantes, sangravam pela pele e seus corpos ficavam marcados por terríveis manchas vermelhas. O povo estava aterrorizado com a situação. Quando já metade da população já havia morrido da peste, o príncipe, um homem astuto e corajoso resolveu convidar seus amigos, lordes e damas para morarem em segurança no seu mais distante castelo.
O castelo em que agora a corte habitava era todo cercado por altas muralhas e tinha altos portões de ferro que foram seguramente trancados com cadeados soldados, impedindo que pessoa alguma entrasse ou saísse dele. Lá dentro havia mantimentos o suficiente para todos e lá a vida continuava, estavam seguros, enquanto lá fora a peste estava cada vez mais violenta.
Após aproximadamente 6 meses vivendo no castelo, o príncipe deu um baile de máscaras. No baile havia músicos, dançarinos e todos estavam alegres e bem trajados. A festa acontecia em 7 dos melhores salões do castelo. Cada um desses salões era de uma cor: azul, roxo, verde, amarelo, laranja, branco, e o último preto, com janelas de um vermelho da cor do sangue. Todos mal iluminados, com apenas luz refletida que vinha de fora. Durante o baile, o povo circulava de um salão para o outro, porém temiam o salão preto. De hora em hora o relógio, grande, escuro e assustador, que havia em cada salão soava furiosamente fazendo com que até a música se calasse. No entanto, era só o barulho se calar que a multidão continuava a festa!
Quando o relógio marcava a meia noite, à última batida do relógio, os moradores perceberam a presença de um homem mascarado que ninguém havia visto antes, então todos ficaram surpresos e um pouco amedrontados, pois o mascarado estava vestido como se estivesse acabado de sair da cova, coberto de sangue, com marcas da morte sobre si. Levava no lugar do rosto a forma de uma caveira! O príncipe esbravejou no momento em que se deparou com a medonha figura, desafiando o ser a se revelar, pois ele não admitia tamanha ofensa! A figura então calmamente caminha por entre a multidão atônita, passando pelo príncipe, e adiante por todos os salões sem ser impedido. O príncipe sentindo-se desafiado e envergonhado por seu próprio medo segue a figura por todos os salões chegando ao salão preto, onde lá ele lança mão de sua espada e encara o ser. Neste momento o príncipe Próspero derruba sua espada, solta um grito forte e cai morto no chão. A multidão que assistia a cena, tenta, neste momento capturar o ser e ao tirar a máscara dele, percebe que não havia nada ou ninguém dentro das vestes e que se tratava da própria Morte Vermelha que vinha assolando a todos. Neste momento, todos, de um a um vão caindo ao chão, morrendo em desespero! A Morte Vermelha havia acabado com todos.

2013

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Realismo no Conto Machadiano “Pai contra Mãe”


               O conto “Pai contra Mãe” de Machado de Assis foi publicado no ano de 1906, no livro “Relíquias da Casa Velha”. Trata-se de uma narrativa fortemente realista, em que o pensamento preponderante é o capitalista.
            “Pai contra Mãe” é narrado em terceira pessoa e o narrador expõe a questão da miséria e da escravatura de forma bastante direta e ríspida. É a história de Cândido Neves, um homem que após tentar a vida em outros ofícios, acaba por se tornar caçador de escravos em fuga pela cidade. Seu trabalho era capturar os escravos que fugiam de seus senhores. Candinho, como era chamado pela família, tinha se casado com a jovem e órfã Clara e por não ter condições suficientes para uma vida melhor, morava com a Tia Mônica, tia de sua esposa. O casal sempre quisera ter filhos, porem como sua situação financeira em nada contribuía, a tia sempre praguejava contra essa empreitada. Entretanto, em certa ocasião Clara dá a notícia de sua gravidez à família. A situação da família não era nada boa financeiramente, já que Cândido Neves não tinha um emprego fixo, diferente de suas dívidas. Como se observa no conto, “A vida fez-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal; comia-se tarde.” e compreendendo a impotência de criar um filho naquela situação a tia sugeria firme e insistentemente na ideia de que eles deveriam levar a criança à Roda dos enjeitados – isto é, deixar a criança num dos guichês giratórios que haviam nas fachadas dos orfanatos, especialmente para que os pais sem condições de criar seus filhos os depositassem anonimamente ali. Com muito pesar, Candinho finalmente aceita a ideia de abrir mão do filho para a adoção, mas antes, decide tentar obter dinheiro honesto uma última vez. Selecionou um anuncio de uma escrava fugida, chamada Arminda, no jornal da cidade e deixando seu filho recém-nascido numa farmácia, persegue a mulata e a captura. A escrava Arminda então suplica por sua vida, afirmando que está grávida e pede piedade e até jura serví-lo, porém o dinheiro da recompensa seria muito útil para Cândido Neves, já que permitiria que o mesmo pudesse criar seu filho. Trava ali uma luta com a escrava, causando um aborto na pobre mulher. No entanto, agora, com o dinheiro da recompensa, Candinho fica incrivelmente satisfeito com sua decisão e retorna para seu filho, para sua família, que o recebe e compreende seus atos.
            Considerando o contexto em que o conto foi escrito e/ou ambientado, percebe-se o forte traço de uma crítica social, comum às narrativas realistas. Há uma constante ironia revelando valores, preconceitos e a hipocrisia humana tal como é. Através de uma narrativa que preza pela verossimilhança, Machado perfaz um retrato social da época, sem menosprezar as memórias da escravatura.
Como característica do período Realista, tem-se as personagens analisadas psicologicamente e isso se revela na narrativa do conto em análise quando o narrador estabelece  uma focalização sobre a agonia interior e desorientação de Candinho em meio às duas possibilidades de desfecho, dar seu filho para a adoção ou encontrar a grande solução para seus problemas e poder ficar com seu filho. Clara, a esposa, não tem muita voz ou visibilidade no enredo. Nos momentos de diálogo e decisões importantes não se vê participação de Clara. Parece ser uma mulher submissa aos desejos e decisões do marido. A mulher que tem voz, ainda mais que a sobrinha é a Tia Monica, sempre muito crítica e com a posição de quem é mais experiente, sábia e racionalmente, deve ter sua opinião ouvida, por mais pessimista que possa ser. Pessimismo esse que Machado busca em Schopenhauer, para reafirmar que nem tudo que queremos pode vir a ser agradável para si, vindo a resultar em egoísmo, ciúme.  No desfecho é dela que vem o perdão para Candinho que fará deles uma família feliz novamente.
No interim de conflitos de interesses, observa-se que o personagem principal opta por uma decisão que revela alto grau de egoísmo, que não faz questão de camuflar. Assim como o dono da casa em que eles moravam que pouco se importa se a família está bem ou não, o que interessa é que ele não está recebendo pelo aluguel e isso não é bom para os negócios.
  Machado, em seu conto fortemente realista, destaca entre outros aspectos sociais e literários, a coisificação do ser humano que marcava a época ambientada, coisificação essa que tinha como alvo especial os escravos, que eram levados à condição de mercadoria, fonte de renda.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Sobre O que é educação (Carlos R. Brandão)


BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense: 2007.

           O livro O que é educação, de Carlos Brandão discute sobre as diversas formas de educação e as diversas maneiras e lugares em que ela acontece.
A partir de uma carta enviada pelos índios norte-americanos aos governantes de Virgínia e Maryland (EUA), recusando a oferta de paz de levar seus jovens para serem educados pelas escolas americanas, o autor desenvolve uma interessante reflexão sobre o entendimento do termo educação.
A obra de Brandão é dividida em dez capítulos, onde ele discorre sobre a história da educação, o surgimento da escola, a esperança na educação, e outros temas relacionados. Segundo o autor, ninguém pode fugir da educação. Todos nós nos envolvemos com ela, seja em qual ambiente estivermos. Ele ainda afirma que não há um modelo único de educação, uma forma universal correta. A educação simplesmente existe entre todos, de diferentes maneiras, sem livros ou professores especialistas, diz-se que sua função é transformar, mas na prática, segundo Brandão, a mesma educação que ensina pode deseducar.
Brandão argumenta que a educação pode ocorrer nos lugares onde não existem escolas e em todo lugar é possível existir redes e estruturas sociais onde se transfere conhecimento, de uma geração a outra. Ele diz que entre os mais simples grupos humanos (entre crianças e adolecentes, entre pais e filhos) existem as trocas socias de conhecimento, e o ensino das normas comportamentais que a sociedade prega.

terça-feira, 5 de junho de 2012

A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS E O DIÁLOGO - I



Prof. Sebastian
"Ou aprendemos a viver juntos como irmãos ou vamos perecer juntos como tolos."
Martin Luther King.

 Peço licença às famílias, aos pais e mães, filhos e filhas, alunos e alunas, universitários e universitárias, aos professores e as professoras, a sociedade em geral para apresentar uma palavrinha sobre a violência nas escolas. Assunto recorrente nos jornais, nos noticiários de TV, um sem-número de reportagens, artigos e afins, além de muitos livros que tratam do tema.
A palavra violência em si é muito violenta e causa incômodo quando a pronunciamos (pelo menos eu penso assim). Reagimos sem muita satisfação, por vezes rejeitamos falar do assunto, nos causa apreensão, revolta, ansiedade. Nossa indignação chega a patamares altíssimos quando vemos uma cena violenta ou ouvimos alguma história de teor muito violento.
O certo é que de violência ninguém gosta e não quer para si. Todos levantamos a mão para a punição da violência, a punição do agressor e da agressora. Queremos punir aquilo que nos pune. É natural do ser humano. É claro que entre a punição e o punido existem as almas elevadas e praticantes de suas crenças religiosas que praticam o perdão, a desculpa, o “já esqueci”, o “não foi nada”, o “tudo bem” e outros recursos possíveis.
Tratar do assunto violência é algo real e urgente, nos toca a todos e precisa de uma ação coletiva. Isoladamente conseguiremos muito pouco. Não se pode admitir (e isso já faz tempo) uma sociedade organizada que entenda a violência, como algo inerente ao crescimento populacional, próprio de médias e grandes cidades e que realmente os tempos estão difíceis e é assim mesmo.
O marasmo, a indiferença, a inércia, o medo de se envolver enganam nossas consciências e nos neutralizam diante dos fatos. Fatos estes que entram em nossas casas, muitas vezes pela porta da frente, sejam por palavras ou por ações. É urgente participarmos da “massa social” e mexermos junto esse grande bolo, ou vamos esperar sentados nos servirem nossa fatia já pronta?
A violência que existe nas escolas contra alunos, pais e mães e professores é assunto que necessita de uma reflexão da parte de todos. Sejam homens e mulheres, em qualquer situação social. Permitiremos que nosso futuro seja filho da violência atual? Permitiremos que uns poucos falem mais alto que nossas atitudes cidadãs?
Muitos são os fatores que geram violência e seus longos braços chegam a muitos espaços na sociedade. A escola não está superprotegida, é vítima também. Quem de nós não tem uma história para contar? Seja vivida por nós mesmos ou por outra pessoa. A violência tem uma força tal que chega a ambientes que nem sequer imaginaríamos. Tem um poder tal que muda uma vida de uma hora para outra. É contra essa força que precisamos nos preparar para lutar, para enfrentar e mostrar que as armas do bem são mais fortes que as do mal. Será possível que só nos desenhos animados o bem vence? Acredito que não e tenho essa firme convicção.
Da família brotam as alegrias, os sonhos, as expectativas, as esperanças, os profissionais, os projetos, as vocações, os sucessos, os amores, as paixões, as virtudes... Porém é também daí que surgem as pessoas violentas. Ou as pessoas violentas são seres extraterrestres que aparecem subitamente para nos perturbar e confundir nossas boas intenções? Claro que não! Ironias a parte, a falta de educação que existe no ambiente doméstico contribui (e muito) para meninos e meninas, homens e mulheres serem agentes agressivos, seja verbal ou fisicamente.
Na família repousa uma importante chave para a conduta dos homens e mulheres que vivem em sociedade. O trato no dia a dia, as conversas informais, a compreensão de mundo, o diálogo frequente, o respeito mútuo, os ensinamentos e aprendizagens, os valores morais e éticos, e tantos outros elementos de boa convivência colaboram para encontrarmos no cotidiano pessoas mais amáveis, mais ponderadas, mais acessíveis e, por conseguinte menos violentas.
Muito além de uma educação degradada e com mil problemas a serem ainda resolvidos, precisamos extrair o que há de bom na educação. Na escola ainda aprendemos a ler e escrever, a conviver, a brincar, a nos organizar, a fazer novas amizades, a conhecer muitas coisas que nem sempre estão no fabuloso mundo da internet.
A escola nos possibilita entre outras coisas, um “universo” de cidadania e espera receber da sociedade em geral além da críticas, acolhimento e apoio, aplausos e reconhecimento. Uma educação de qualidade ainda é possível neste mundo de violências variadas.

Sebastian Ramos - É professor da Rede Pública, formado em História, especialista em gestão escolar e ativista de causas sociais.