Wélica Cristina Duarte de Oliveira (UNEMAT)
Virgínia Woolf nasceu em Londres, no ano de 1882. Filha de um filósofo e
crítico literário, cresceu com todo conforto advindo das vantagens financeiras e
intelectuais de seu ambiente. Desde os 14 anos, Virgínia se habituava com o
universo da literatura, mas foi aos trinta e três anos que publicou seu
primeiro romance, tornando-se uma destacada escritora da literatura inglesa.
A autora participou ativamente do chamado Bloomsbury Group, que incluía escritores como E.M Forster, Roger
Fry e outros artistas e intelectuais, dentre eles, seu futuro marido Leonard
Woolf. Participar desse grupo proporcionou à escritora um ambiente muito
propício ao desenvolvimento de técnicas, habilidades e sensibilidade que foram
marcos em sua obra.
Woolf em vida, sofreu muito durante grande parte de sua vida, devido à
problemas de saúde e depressão, e, em março de 1941, suicidou-se.
A obra “A morte da traça” é uma narrativa que tem como forte traço a
descrição e enfatiza em grande escala, impressões do narrador, revelando uma
sensibilidade afiadíssima da escritora.
O início da narrativa é marcado pela predominância da descrição. Descreve-se
observações do cotidiano e as sensações causadas por cada experiência observada
e narrada. Trata-se da descrição a
partir do olhar analítico sobre uma traça que voa durante o dia e a espécie é
descrita como criaturas híbridas, nem tão alegres como as borboletas, mas nem
sombrias como as que voam de noite. Sobre a traça que protagoniza a cena, em
particular, o narrador afirma que lhe parece uma traça satisfeita com a vida.
Desta maneira, creio que a descrição inicial prepara o leitor para a
experiência a ser narrada a seguir, na medida em que anuncia o ambiente, o
tempo, espaço, o clima e a atmosfera sentimental, reflexiva, que,
perceptivelmente, trás consigo a impressão da autora de pensar e refletir as
experiências e a vida como ela estava sendo levada, como era, como é, de acordo
com seu curso natural. É descrita a emoção essencial, creio, o sentimento, a
dinâmica da narrativa. Tanto que, é narrado o festim dos pássaros, enfatizando
a energia da vida que os movia, fazendo daquela reunião uma “experiência
tremendamente excitante”. E, para o narrador, essa mesma energia que inspirava
os pássaros e outros seres da natureza, havia enviado a traça para aquele
local, inspirando-lhe vida e mobilidade. E era impossível não querer observar a
traça, seu entusiasmo, seu vigor em voar para um lado e inevitavelmente, voar
para o outro, e para o outro.... porém, de forma plenamente satisfeita. Aquela
era a realidade da traça. Sua vida. Fazia o que podia ser feito. Fica então
claro que, como sugeria o comportamento da traça, era ela “pouco ou nada, mas a
vida”, causando a já dita reflexão sobre ser ou não ser. Ser e existir.
Conteúdo e forma.
Noutro momento, segundo o narrador, talvez cansada por toda a dança, a
traça se aquietou no parapeito da janela. Ali, imóvel, caiu no esquecimento do
seu observador. Que, casualmente, num momento volta se lembrar da protagonista
e direciona-lhe o olhar. Agora a dança é diferente, estranha. Mas o momento da ascensão
de seu belo voo é esperado por seu observador. Entretanto depois de repetidas
tentativas, o narrador percebe que a traça não mais alçará voo sozinha, mesmo
sem ter consciência do motivo do fracasso da mesma. Embora espere a
recuperação, entende agora, que ela está em dificuldades talvez irreversíveis
se sozinha tiver que lutar, ela agora parece desanimada, incapaz.
A mariposa agora, de pernas para o ar, causa compaixão no observador, e
esse estende um lápis para ajuda-la, virando-a de volta à posição inicial,
porém, no meio desse processo, é interrompido por um pensamento. Imagina que
esse desânimo, essa incapacidade era a introdução ao fim. Era a aproximação da
morte se revelando à protagonista. E assim desiste de virá-la. Isso seria ir
contra a natureza, tão forte, poderosa e magistral, que sinalizava a morte.
Sozinha, em seu ambiente agora calmo e ignorado, a protagonista tenta
mais uma vez fazer o que está ao seu alcance. Agora os pássaros foram se
alimentar, ou seja, foram resolver suas próprias urgências, e mesmo sendo dia,
tudo estava parado. Era meio-dia, o trabalho no campo havia cessado. Estava só.
Ali, após um momento para retomar suas forças, tenta seu “último protesto”, e seu
desespero era tão grande que ela conseguiu se endireitar. Foi essa uma atitude
a ser invejada. Mas, como é narrado, não havia ninguém para se importar, ou
para saber desse significante esforço e sucesso contra uma força tão magnífica
quanto a morte!
O narrador declara que embora quisesse que ela vivesse, sabia dos sinais
inconfundíveis da morte iminente. E assim, se assemelha e diferencia ao
ambiente humano. Enquanto uns lutam à toda força, isso tudo passa
indiferentemente em frente aos olhos inconscientes do outro. Ninguém vê
realmente. Ninguém se importa realmente. Ninguém está lá realmente. Embora não
seja a escuridão ambígua e assustadora da noite. Embora seja dia, há o momento
da indiferença, o momento do “eu”.
Após compreender tudo isso, a serenidade prevalece. Remanesce a harmonia.
Harmonia com a morte, com o eu, com o ambiente, com o outro, com a Natureza e
seu curso. Conciliação.