sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Realismo no Conto Machadiano “Pai contra Mãe”


               O conto “Pai contra Mãe” de Machado de Assis foi publicado no ano de 1906, no livro “Relíquias da Casa Velha”. Trata-se de uma narrativa fortemente realista, em que o pensamento preponderante é o capitalista.
            “Pai contra Mãe” é narrado em terceira pessoa e o narrador expõe a questão da miséria e da escravatura de forma bastante direta e ríspida. É a história de Cândido Neves, um homem que após tentar a vida em outros ofícios, acaba por se tornar caçador de escravos em fuga pela cidade. Seu trabalho era capturar os escravos que fugiam de seus senhores. Candinho, como era chamado pela família, tinha se casado com a jovem e órfã Clara e por não ter condições suficientes para uma vida melhor, morava com a Tia Mônica, tia de sua esposa. O casal sempre quisera ter filhos, porem como sua situação financeira em nada contribuía, a tia sempre praguejava contra essa empreitada. Entretanto, em certa ocasião Clara dá a notícia de sua gravidez à família. A situação da família não era nada boa financeiramente, já que Cândido Neves não tinha um emprego fixo, diferente de suas dívidas. Como se observa no conto, “A vida fez-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal; comia-se tarde.” e compreendendo a impotência de criar um filho naquela situação a tia sugeria firme e insistentemente na ideia de que eles deveriam levar a criança à Roda dos enjeitados – isto é, deixar a criança num dos guichês giratórios que haviam nas fachadas dos orfanatos, especialmente para que os pais sem condições de criar seus filhos os depositassem anonimamente ali. Com muito pesar, Candinho finalmente aceita a ideia de abrir mão do filho para a adoção, mas antes, decide tentar obter dinheiro honesto uma última vez. Selecionou um anuncio de uma escrava fugida, chamada Arminda, no jornal da cidade e deixando seu filho recém-nascido numa farmácia, persegue a mulata e a captura. A escrava Arminda então suplica por sua vida, afirmando que está grávida e pede piedade e até jura serví-lo, porém o dinheiro da recompensa seria muito útil para Cândido Neves, já que permitiria que o mesmo pudesse criar seu filho. Trava ali uma luta com a escrava, causando um aborto na pobre mulher. No entanto, agora, com o dinheiro da recompensa, Candinho fica incrivelmente satisfeito com sua decisão e retorna para seu filho, para sua família, que o recebe e compreende seus atos.
            Considerando o contexto em que o conto foi escrito e/ou ambientado, percebe-se o forte traço de uma crítica social, comum às narrativas realistas. Há uma constante ironia revelando valores, preconceitos e a hipocrisia humana tal como é. Através de uma narrativa que preza pela verossimilhança, Machado perfaz um retrato social da época, sem menosprezar as memórias da escravatura.
Como característica do período Realista, tem-se as personagens analisadas psicologicamente e isso se revela na narrativa do conto em análise quando o narrador estabelece  uma focalização sobre a agonia interior e desorientação de Candinho em meio às duas possibilidades de desfecho, dar seu filho para a adoção ou encontrar a grande solução para seus problemas e poder ficar com seu filho. Clara, a esposa, não tem muita voz ou visibilidade no enredo. Nos momentos de diálogo e decisões importantes não se vê participação de Clara. Parece ser uma mulher submissa aos desejos e decisões do marido. A mulher que tem voz, ainda mais que a sobrinha é a Tia Monica, sempre muito crítica e com a posição de quem é mais experiente, sábia e racionalmente, deve ter sua opinião ouvida, por mais pessimista que possa ser. Pessimismo esse que Machado busca em Schopenhauer, para reafirmar que nem tudo que queremos pode vir a ser agradável para si, vindo a resultar em egoísmo, ciúme.  No desfecho é dela que vem o perdão para Candinho que fará deles uma família feliz novamente.
No interim de conflitos de interesses, observa-se que o personagem principal opta por uma decisão que revela alto grau de egoísmo, que não faz questão de camuflar. Assim como o dono da casa em que eles moravam que pouco se importa se a família está bem ou não, o que interessa é que ele não está recebendo pelo aluguel e isso não é bom para os negócios.
  Machado, em seu conto fortemente realista, destaca entre outros aspectos sociais e literários, a coisificação do ser humano que marcava a época ambientada, coisificação essa que tinha como alvo especial os escravos, que eram levados à condição de mercadoria, fonte de renda.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Sobre O que é educação (Carlos R. Brandão)


BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense: 2007.

           O livro O que é educação, de Carlos Brandão discute sobre as diversas formas de educação e as diversas maneiras e lugares em que ela acontece.
A partir de uma carta enviada pelos índios norte-americanos aos governantes de Virgínia e Maryland (EUA), recusando a oferta de paz de levar seus jovens para serem educados pelas escolas americanas, o autor desenvolve uma interessante reflexão sobre o entendimento do termo educação.
A obra de Brandão é dividida em dez capítulos, onde ele discorre sobre a história da educação, o surgimento da escola, a esperança na educação, e outros temas relacionados. Segundo o autor, ninguém pode fugir da educação. Todos nós nos envolvemos com ela, seja em qual ambiente estivermos. Ele ainda afirma que não há um modelo único de educação, uma forma universal correta. A educação simplesmente existe entre todos, de diferentes maneiras, sem livros ou professores especialistas, diz-se que sua função é transformar, mas na prática, segundo Brandão, a mesma educação que ensina pode deseducar.
Brandão argumenta que a educação pode ocorrer nos lugares onde não existem escolas e em todo lugar é possível existir redes e estruturas sociais onde se transfere conhecimento, de uma geração a outra. Ele diz que entre os mais simples grupos humanos (entre crianças e adolecentes, entre pais e filhos) existem as trocas socias de conhecimento, e o ensino das normas comportamentais que a sociedade prega.

terça-feira, 5 de junho de 2012

A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS E O DIÁLOGO - I



Prof. Sebastian
"Ou aprendemos a viver juntos como irmãos ou vamos perecer juntos como tolos."
Martin Luther King.

 Peço licença às famílias, aos pais e mães, filhos e filhas, alunos e alunas, universitários e universitárias, aos professores e as professoras, a sociedade em geral para apresentar uma palavrinha sobre a violência nas escolas. Assunto recorrente nos jornais, nos noticiários de TV, um sem-número de reportagens, artigos e afins, além de muitos livros que tratam do tema.
A palavra violência em si é muito violenta e causa incômodo quando a pronunciamos (pelo menos eu penso assim). Reagimos sem muita satisfação, por vezes rejeitamos falar do assunto, nos causa apreensão, revolta, ansiedade. Nossa indignação chega a patamares altíssimos quando vemos uma cena violenta ou ouvimos alguma história de teor muito violento.
O certo é que de violência ninguém gosta e não quer para si. Todos levantamos a mão para a punição da violência, a punição do agressor e da agressora. Queremos punir aquilo que nos pune. É natural do ser humano. É claro que entre a punição e o punido existem as almas elevadas e praticantes de suas crenças religiosas que praticam o perdão, a desculpa, o “já esqueci”, o “não foi nada”, o “tudo bem” e outros recursos possíveis.
Tratar do assunto violência é algo real e urgente, nos toca a todos e precisa de uma ação coletiva. Isoladamente conseguiremos muito pouco. Não se pode admitir (e isso já faz tempo) uma sociedade organizada que entenda a violência, como algo inerente ao crescimento populacional, próprio de médias e grandes cidades e que realmente os tempos estão difíceis e é assim mesmo.
O marasmo, a indiferença, a inércia, o medo de se envolver enganam nossas consciências e nos neutralizam diante dos fatos. Fatos estes que entram em nossas casas, muitas vezes pela porta da frente, sejam por palavras ou por ações. É urgente participarmos da “massa social” e mexermos junto esse grande bolo, ou vamos esperar sentados nos servirem nossa fatia já pronta?
A violência que existe nas escolas contra alunos, pais e mães e professores é assunto que necessita de uma reflexão da parte de todos. Sejam homens e mulheres, em qualquer situação social. Permitiremos que nosso futuro seja filho da violência atual? Permitiremos que uns poucos falem mais alto que nossas atitudes cidadãs?
Muitos são os fatores que geram violência e seus longos braços chegam a muitos espaços na sociedade. A escola não está superprotegida, é vítima também. Quem de nós não tem uma história para contar? Seja vivida por nós mesmos ou por outra pessoa. A violência tem uma força tal que chega a ambientes que nem sequer imaginaríamos. Tem um poder tal que muda uma vida de uma hora para outra. É contra essa força que precisamos nos preparar para lutar, para enfrentar e mostrar que as armas do bem são mais fortes que as do mal. Será possível que só nos desenhos animados o bem vence? Acredito que não e tenho essa firme convicção.
Da família brotam as alegrias, os sonhos, as expectativas, as esperanças, os profissionais, os projetos, as vocações, os sucessos, os amores, as paixões, as virtudes... Porém é também daí que surgem as pessoas violentas. Ou as pessoas violentas são seres extraterrestres que aparecem subitamente para nos perturbar e confundir nossas boas intenções? Claro que não! Ironias a parte, a falta de educação que existe no ambiente doméstico contribui (e muito) para meninos e meninas, homens e mulheres serem agentes agressivos, seja verbal ou fisicamente.
Na família repousa uma importante chave para a conduta dos homens e mulheres que vivem em sociedade. O trato no dia a dia, as conversas informais, a compreensão de mundo, o diálogo frequente, o respeito mútuo, os ensinamentos e aprendizagens, os valores morais e éticos, e tantos outros elementos de boa convivência colaboram para encontrarmos no cotidiano pessoas mais amáveis, mais ponderadas, mais acessíveis e, por conseguinte menos violentas.
Muito além de uma educação degradada e com mil problemas a serem ainda resolvidos, precisamos extrair o que há de bom na educação. Na escola ainda aprendemos a ler e escrever, a conviver, a brincar, a nos organizar, a fazer novas amizades, a conhecer muitas coisas que nem sempre estão no fabuloso mundo da internet.
A escola nos possibilita entre outras coisas, um “universo” de cidadania e espera receber da sociedade em geral além da críticas, acolhimento e apoio, aplausos e reconhecimento. Uma educação de qualidade ainda é possível neste mundo de violências variadas.

Sebastian Ramos - É professor da Rede Pública, formado em História, especialista em gestão escolar e ativista de causas sociais.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O FILME "DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA" E A QUESTÃO DOS PARADIGMAS



Após assistir o filme 12 homens e uma sentença, é impossível não desenvolver uma reflexão sobre os nossos preconceitos, ou seja, aqueles conceitos que temos consolidados sem procurar problematizá-los através do conhecimento sobre o assunto, do ouvir sobre, ou até mesmo da experiência.
O filme 12 homens e uma sentença (12 Angry men, 1957) é um filme estadunidense, de Reginald Rose, e dirigido por Sidney Lumet. Conta a estória de 12 jurados que devem decidir se um réu é culpado ou inocente de um assassinato. Dentre os doze, onze têm certeza de que ele é culpado, enquanto apenas um levanta uma série de questionamentos, validando o conceito de dúvida razoável. Assim, chegam à decisão de estudar novamente o caso, já que o veredito deve ser através da unanimidade.
Segundo o bioquímico Ken Wilber, um paradigma é “um conjunto de princípios do conhecimento e pressupostos que definem o tipo de dados que somos capazes de ver em primeiro lugar”, ou seja, é um princípio orientador e estruturador de um sistema de valores dentro do nosso subconsciente. Durante toda a nossa vida, como seres sociais e pensantes, capazes de tomar decisões e julgamentos, temos um conjunto de princípios que modela quem somos e o que achamos certo ou errado, o que é bom e o que é ruim, como nos comportamos, enfim, e a esses princípios chamamos paradigmas.
O filme se passa aproximadamente 97% dentro de uma sala, onde os jurados devem votar para a absolvição ou para a condenação (sob pena de morte) do jovem que supostamente matou seu pai. Durante o filme, podemos perceber muitos paradigmas serem reformulados, pois no início da reunião, a grande maioria quer votar “culpado” levando em conta simplesmente seus próprios interesses, por querer ir embora logo, ou por não querer se atrasar para um jogo, outros, julgam o caso apenas sob o critério da raça e do contexto social e financeiro do jovem réu, e o último usa do fato de que está em rivalidade com seu filho para julgar culpado o rapaz, sem ao menos estudar os fatos e ouvir as pontuações. Assim, apenas o jurado nº 8 propõe uma discussão justa sobre os fatos do crime, não que ele tinha certeza de que o réu era inocente, mas o que o movia era que também não tinha certeza de ele era culpado, e pelas dúvidas razoáveis, seria injusto condenar um homem à morte sem ao menos discutir o seu caso seriamente. Desta forma, durante as discussões, fazem-se várias votações, e à medida em que as “verdades absolutas”, “fatos irrefutáveis” vão sendo quebrados, vão sendo quebrados também conceitos firmados e opiniões fundamentadas nessas verdades, e assim vários e vários jurados vão mudando seu voto por um mais consciente, firmado pelo debate, pelo conhecimento, através do estudo dos acontecimentos relacionados ao crime.
No final do filme, mesmo com muita dificuldade, a decisão é unânime: Inocente. Chega-se a decisão com dificuldade, pois os paradigmas que são reformulados estão intrínsecos ao nosso ser. É preciso pensar além... Nas possibilidades. “E se...”
Hoje, quando falamos em Educação, vemos que este é um território para a quebra de certos paradigmas. É preciso sonhar e acreditar que as coisas podem ser melhores, que mudanças podem ocorrer, que as pessoas podem ser melhores. Pensando nos futuros educadores, é impossível ingressar nesse universo se enxergarmos através das lentes de paradigmas envelhecidos, “mapas” frios e sem fundamentação, assim como "Não se pode falar de educação sem amor.” ( Paulo Freire )

Wélica Cristina Duarte de Oliveira

segunda-feira, 30 de abril de 2012

RESENHA DA OBRA: Vygotsky – Uma perspectiva histórico-cultural da educação


REGO. Teresa Cristina. Vygotsky: Uma perspectiva histórico-cultural da educação. 15°Ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

Resenhado por Wélica Cristina Duarte de Oliveira, acadêmica do 3° semestre do curso de Letras, 2011/1, da Universidade do Estado de Mato Grosso, campus universitário de Tangará da Serra.
Teresa Cristina Rego é natural de São Paulo - SP, formada em Pedagogia pela PUC de seu estado. Possui Mestrado em Filosofia e História da Educação pela Universidade de Educação de São Paulo; Atuou como professora e também como coordenadora pedagógica em diversas instituições.
           
O livro é organizado em quatro capítulos, onde a autora nos apresenta os principais pontos da teoria de Vygotsky, oferecendo aos leitores uma interpretação sobre alguns aspectos da obra desse grande teórico.
Para melhor compreender a visão de Vygotsky é importante conhecermos o contexto e as razões que o direcionaram a suas questões. Com esse objetivo, a autora comenta, no primeiro capítulo, sobre a breve e intensa vida de Vygotsky.
Lev Semenovich Vygotsky viveu na Rússia pós-revolucionária e isso muito faz relação com seus estudos. Nasceu em 17 de novembro de 1896 em Orsha, na Bielo-Rússia, numa família de origem judaica. Casou-se aos 28 anos, com Roza Smekhova, com quem teve duas filhas. Morreu com apenas 37 anos de idade, no dia 11 de Junho de 1934, vítima de tuberculose, em Moscou. Durante sua vida, se interessou por literatura, arte; aprendeu alemão, hebraico, latim, inglês e francês. Estudou Direito e Literatura na Universidade de Moscou, mesmo sendo uma época difícil para um estudante judeu na Rússia. Participou ainda de cursos de História e Filosofia na Universidade Popular de Shanyavskii. Transitou por diferentes áreas do conhecimento, como linguística, psicologia, cultura, e até medicina, ficando assim conhecido como um pesquisador eclético, marcado pela interdisciplinaridade.
Estudar os processos de transformação do desenvolvimento humano na sua dimensão filogenética, histórico-social e ontogenética era seu projeto principal. Deu grande importância ao estudo das funções psicológicas superiores: o comportamento, a atenção e lembrança voluntária, o pensamento abstrato, memorização ativa, capacidade de planejamento, raciocínio dedutivo, etc., que para ele, são de origem sócio-cultural e emergem de processos psicológicos elementares, de origem biológica.
A sociedade em que ele vivia estava contagiada pelo ideal revolucionário, assim, Vygotsky liderava a chamada “troika” que contava com Luria (1902-1977) e Leontiev (1904-1979), com o propósito de investigar e estudar o ser humano e seu comportamento, porém não eram limitados a apenas a uma área do conhecimento, pois discutiam sobre pensamento, linguagem, cultura etc. Vygotsky foi bastante influenciado pelos princípios teóricos do materialismo histórico-dialético de Marx e Engels.
Durante o governo de Stalin, as obras de Vygotsky começaram a receber numerosas críticas, sendo consideradas idealistas. Depois de morto, a publicação das suas obras foi proibida na União Soviética, porém, a partir de 1956, começaram a serem redescobertas, e traduzidas. Atualmente suas ideias vêm sendo muito valorizadas no universo ocidental, trazendo imensa contribuição á psicologia e educação.
            No segundo capítulo, Rego apresenta o programa de pesquisa de Vygotsky, que objetivava responder a três questões fundamentais. A primeira questão dizia respeito à relação entre o ser humano e o ambiente físico e social, a segunda, se referia ao trabalho como o meio fundamental de relacionamento entre homem e natureza. E a terceira questão, que tinha a intenção de analisar a natureza das relações entre os instrumentos e o desenvolvimento da linguagem.
A autora enfatiza a relação indivíduo/sociedade, que diz respeito à interação dialética, responsável pela transformação do ser humano. Comenta que o desenvolvimento humano não é dado a priori, pois a cultura é parte constitutiva da natureza humana, assim, as funções psicológicas especificamente humanas têm origem nas relações do indivíduo e seu contexto social e cultural. Explica ainda que segundo Vygotsky o cérebro é o órgão principal da atividade mental, é produto de uma longa evolução, é o substrato material da atividade psíquica que cada um traz consigo ao nascer, porém não significa que seja um sistema fixo e imutável. A autora esclarece que segundo Vygotsky, a relação homem/mundo não é direta, e sim mediada por certas ferramentas da atividade humana, e a linguagem é um signo mediador por excelência, pois carrega consigo os conceitos generalizados pela cultura humana, além de possuir um papel de destaque no processo de pensamentos. Vygotsky também se interessou pelos estudos do comportamento e psiquismo dos animais, com o propósito de identificar as semelhanças e diferenças com o ser humano, e as encontrou, como é relatado nos seus estudos. Em síntese, os animais vivem apenas no mundo das impressões imediatas, diferentemente do homem, que vive também no universo dos conceitos abstratos; e o comportamento e as ações dos animais se baseiam estritamente em motivos biológicos, diferenciando-os do homem. Rego propõe também a reflexão sobre o surgimento da linguagem, a sua função, e as mudanças que ela trás aos processos psíquicos do homem. A autora deixa claro que segundo Vygotsky os fatores biológicos preponderam sobre os sociais apenas no início da vida da criança e as características individuais dependem da interação do ser humano com o meio físico e social, citando o caso das “meninas-lobas”, encontradas na Índia. Quando se trata das relações entre de pensamento e linguagem, Vygotsky afirma que a linguagem tanto expressa o pensamento da criança, quanto organiza esses pensamentos (discurso socializado e discurso interior). Os estudos de Vygotsky continuam afirmando que o aprendizado da linguagem escrita representa um grande salto no desenvolvimento da pessoa. Traz ainda o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que compreende a distância entre aquilo que a criança é capaz de fazer sozinha e aquilo que ela realiza com a ajuda dos outros. Vygotsky dava grande importância ao ato de brincar, e acreditava que o brinquedo possuía uma considerável função no desenvolvimento da criança, pois a criança brinca pela necessidade de agir em relação ao mundo dos adultos, e quando ela brinca, ela busca a coerência com os papéis interpretados.
            O capítulo três trata dos pressupostos filosóficos e das implicações educacionais do pensamento Vygotskiano, traçando as diferenças entre as abordagens ambientalista, nativista e a sócio-interacionista de Vygotsky, salientando que na teoria vygotskiana não ocorre uma soma de fatores inatos ou adquiridos, mas sim uma interação dialética entre o ser humano e o meio social em que se insere.
            O quarto capítulo é dedicado à análise da afetividade na obra de Vygotsky e da rápida difusão das teses de Vygotsky no meio acadêmico e nas redes de ensino. Segundo Rego, Vygotsky concebe o homem como um ser que raciocina, pensa, mas que também se emociona, deseja, imagina e se sensibiliza. E em sua perspectiva, cognição e afeto não estão dissociados no ser humano. A autora finaliza o último capítulo com um texto original de Vygotsky, onde ele afirma que a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário para que se desenvolvam na criança as características humanas que não são naturais, mas sim formadas historicamente.
            A teoria de Vygotsky trouxe para a Psicologia e para a educação de forma geral, uma nova forma de observar o desenvolvimento humano. Suas teses valorizam o papel da escola e do professor, pois oferecem elementos imprescindíveis para a compreensão da integração entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento. Tornando claro que as conquistas individuais resultam de um processo compartilhado e o individual depende do social.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Possibilidade

Poderia ser
dissipando...
Possibilidade
não verbalizada
Um querer
distanciando...
Vai passar
ou não!

 (Wélica Duarte)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Movimento DuplicAÇÃO: MT 358

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ANÁLISE DA ESTRUTURA MÍTICA: CAPÍTULOS INICIAIS DE GÊNESIS

Com o papel de explicar as origens do mundo, os fenômenos naturais e a própria realidade, ao longo dos séculos, fomos apresentados a uma variedade de narrativas simbólicas, oriundas de diversas culturas, como a cultura grega, romana, nórdica, africana, enfim. Essas narrativas possuem caráter sagrado, religioso, pois estão sempre relacionadas a seres sobrenaturais. São elas denominadas mitos. O termo mito é muitas vezes usado em um sentido pejorativo, dando o sentido de que certas informações não são de fato verdadeiras. Porém, de acordo com o teórico romeno Mircea Eliade (1998)¹, as histórias que compõem os mitos são ancoradas em uma realidade histórica e cultural, utilizando-se da linguagem metafórica, dando ao leitor a liberdade de interpretar e compreender seu significado. A abordagem de Eliade sobre essas narrativas se caracteriza no estudo de suas configurações nas comunidades onde esses mitos ainda estão vivos, trazendo modelos de conduta, valores morais, etc. Não se trata simplesmente de saber verdade ou mentira, real ou falso, mas sim justificar as percepções, compreendendo a civilização humana e o ato de “viver o mito”. O livro de Gênesis é o primeiro livro do Pentateuco (os 5 primeiros livros da Bíblia Sagrada) e conta história da humanidade desde a sua criação até a morte de José. Gênesis foi escrito no final do século XV a.C e sua autoria é atribuída a Moisés. Dito isso, podemos observar a Bíblia Sagrada e afirmar que, sob os olhos da teoria de Eliade, se trata de um arcabouço mitológico. Os primeiros capítulos do livro de Gênesis conta a história da origem dos céus e da terra; o surgimento da luz, pela palavra de Deus, a separação entre o dia e a noite, terra e mares; ainda a criação das plantas, por Deus, sol, lua, estrelas, animais (marinhos, pássaros e terrestres) e por fim o homem, a sua imagem e semelhança, no sexto dia. (Gn 1:1-31). Segundo Eliade, há uma distinção entre “Histórias verdadeiras” (mitos) e “histórias falsas” (fábulas ou contos). As histórias verdadeiras só falam daquilo que aconteceu, só se referem àquilo que se manifestou na realidade visível. Portanto, a narrativa bíblica da criação se constitui num mito, história verdadeira, porque o universo, o sol, a lua, as plantas, os animais e o ser humano são evidências disso. Observando as primeiras narrativas bíblicas, principalmente a história da Criação, percebemos que a definição de tempo e espaço não é de máxima relevância, pois se referem ao tempo e espaço do “princípio”, e o foco é estritamente relatar os fatos. Quanto ao narrador, percebemos que se trata de um narrador observador, pois como sabemos, um narrador não necessita participar da história como um personagem primário, nem precisa ser uma pessoa física do mundo real que testemunhou a história. É simplesmente uma entidade que conta a história, e existe apenas no plano (mundo) da história. No caso de Gênesis, o narrador é heterodiegético. Limita-se a narrar os acontecimentos em 3ª pessoa, não participando das ações. ¹ ELIADE, MIRCEA. Mito e realidade. 5ªed. São Paulo: Perspectiva, 1998. Wélica Cristina Duarte de Oliveira, Letras - UNEMAT. Tangará da Serra, MT