sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Realismo no Conto Machadiano “Pai contra Mãe”


               O conto “Pai contra Mãe” de Machado de Assis foi publicado no ano de 1906, no livro “Relíquias da Casa Velha”. Trata-se de uma narrativa fortemente realista, em que o pensamento preponderante é o capitalista.
            “Pai contra Mãe” é narrado em terceira pessoa e o narrador expõe a questão da miséria e da escravatura de forma bastante direta e ríspida. É a história de Cândido Neves, um homem que após tentar a vida em outros ofícios, acaba por se tornar caçador de escravos em fuga pela cidade. Seu trabalho era capturar os escravos que fugiam de seus senhores. Candinho, como era chamado pela família, tinha se casado com a jovem e órfã Clara e por não ter condições suficientes para uma vida melhor, morava com a Tia Mônica, tia de sua esposa. O casal sempre quisera ter filhos, porem como sua situação financeira em nada contribuía, a tia sempre praguejava contra essa empreitada. Entretanto, em certa ocasião Clara dá a notícia de sua gravidez à família. A situação da família não era nada boa financeiramente, já que Cândido Neves não tinha um emprego fixo, diferente de suas dívidas. Como se observa no conto, “A vida fez-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal; comia-se tarde.” e compreendendo a impotência de criar um filho naquela situação a tia sugeria firme e insistentemente na ideia de que eles deveriam levar a criança à Roda dos enjeitados – isto é, deixar a criança num dos guichês giratórios que haviam nas fachadas dos orfanatos, especialmente para que os pais sem condições de criar seus filhos os depositassem anonimamente ali. Com muito pesar, Candinho finalmente aceita a ideia de abrir mão do filho para a adoção, mas antes, decide tentar obter dinheiro honesto uma última vez. Selecionou um anuncio de uma escrava fugida, chamada Arminda, no jornal da cidade e deixando seu filho recém-nascido numa farmácia, persegue a mulata e a captura. A escrava Arminda então suplica por sua vida, afirmando que está grávida e pede piedade e até jura serví-lo, porém o dinheiro da recompensa seria muito útil para Cândido Neves, já que permitiria que o mesmo pudesse criar seu filho. Trava ali uma luta com a escrava, causando um aborto na pobre mulher. No entanto, agora, com o dinheiro da recompensa, Candinho fica incrivelmente satisfeito com sua decisão e retorna para seu filho, para sua família, que o recebe e compreende seus atos.
            Considerando o contexto em que o conto foi escrito e/ou ambientado, percebe-se o forte traço de uma crítica social, comum às narrativas realistas. Há uma constante ironia revelando valores, preconceitos e a hipocrisia humana tal como é. Através de uma narrativa que preza pela verossimilhança, Machado perfaz um retrato social da época, sem menosprezar as memórias da escravatura.
Como característica do período Realista, tem-se as personagens analisadas psicologicamente e isso se revela na narrativa do conto em análise quando o narrador estabelece  uma focalização sobre a agonia interior e desorientação de Candinho em meio às duas possibilidades de desfecho, dar seu filho para a adoção ou encontrar a grande solução para seus problemas e poder ficar com seu filho. Clara, a esposa, não tem muita voz ou visibilidade no enredo. Nos momentos de diálogo e decisões importantes não se vê participação de Clara. Parece ser uma mulher submissa aos desejos e decisões do marido. A mulher que tem voz, ainda mais que a sobrinha é a Tia Monica, sempre muito crítica e com a posição de quem é mais experiente, sábia e racionalmente, deve ter sua opinião ouvida, por mais pessimista que possa ser. Pessimismo esse que Machado busca em Schopenhauer, para reafirmar que nem tudo que queremos pode vir a ser agradável para si, vindo a resultar em egoísmo, ciúme.  No desfecho é dela que vem o perdão para Candinho que fará deles uma família feliz novamente.
No interim de conflitos de interesses, observa-se que o personagem principal opta por uma decisão que revela alto grau de egoísmo, que não faz questão de camuflar. Assim como o dono da casa em que eles moravam que pouco se importa se a família está bem ou não, o que interessa é que ele não está recebendo pelo aluguel e isso não é bom para os negócios.
  Machado, em seu conto fortemente realista, destaca entre outros aspectos sociais e literários, a coisificação do ser humano que marcava a época ambientada, coisificação essa que tinha como alvo especial os escravos, que eram levados à condição de mercadoria, fonte de renda.